Análise Psicológica: A Sociedade do Anel
História do Filme.
História do Filme.
O filme começa com a narrativa de como
foram criados certos anéis, e posteriormente distribuídos os mesmos a líderes
de três raças diferentes, tais anéis deveriam servir ao propósito da vontade de
governar com paz e inteligência os reinos de cada raça.
Foram distribuídos: 3 anéis aos
elfos,7 anéis aos anões mineradores e 9 anéis aos homens.
Mas o Um Anel estava em oculto no
poder de Sauron, que forjou os anéis partilhados e forjara para si o Um Anel.
O Um Anel controlava todos os outros
anéis e seus portadores, levando os à sua própria destruição.
E tal destruição chegou ao seu clímax
com a batalha travada entre o exército de homens e elfos contra o exército de
Sauron.
Sauron, senhor dos anéis, é derrotado,
mas o Um Anel não é destruído.
Isildur, o líder dos homens, movido pela
ganância e poderes mágicos do Um Anel, não atende aos apelos de Elrond, líder
dos elfos, para que o anel seja destruído.
Isildur, em posse do anel maldito, é
morto em uma emboscada e o anel cai no fundo de um lago por lá permanecendo
durante 2500 anos.
Passados 2500 anos o Um Anel foi
encontrado por um hobbit chamado
Sméagol ele fica com o anel durante 500 anos, sendo encontrado posteriormente
por Bilbo, este também pertencente à raça dos hobbits.
Sméagol, ou Gollum, fica furioso com
Bilbo este quase o mata, mas sente pena do antes hobbit e agora criatura horrenda, deformado pelo longo período em
que possuiu o anel.
Bilbo possuiu o anel durante 60 anos
até que o anel foi descoberto pelo mago Gandalf.
Bilbo resolve partir do Condado,
lugarejo dos hobbits não sem antes
ter se tornado invisível na frente de toda a comunidade e do próprio mago por
conta da utilização do anel.
Gandalf questiona Bilbo e exige que
ele deixe o Um Anel para seu sobrinho, Frodo.
Frodo é instruído por Gandalf a
respeito da origem do anel maldito e sobre a necessidade deste ser destruído. O
mago orienta Frodo para que parta imediatamente, pois os naszgull, servos de Sauron que anteriormente foram homens e em
virtude de terem sido portadores dos 9 anéis dados ao homens se tornaram
espectros, virão em busca do anel. A informação de que o Um Anel estaria no
Condado foi dada por Sméagol, ao ser torturado pelos orcs servos de Sauron. Frodo foge e conta com o auxílio de seu
amigo Sam. Durante sua aventura os dois encontram Aragorn, o herdeiro do trono
de Isildur. Aragorn os auxilia em sua fuga, porém, em um embate contra os naszgull a lâmina da espada de um dos
espectros atinge o peito do hobbit.
Aragorn, Frodo e Sam partem então em
direção a Valfenda, terra dos elfos governada por Elrond, o líder do elfos. Um
conselho é estabelecido para se decidir o destino do Um Anel. Estão presentes:
Elrond, Gandalf, Boromir, filho guerreiro do regente de Gondor – país dos
homens-, Legolas, guerreiro elfo, Gimli, guerreiro anão e Aragorn, guerreiro e
herdeiro do trono dos homens.
Fica decidido que Frodo será o
portador do Um Anel e o levará até a Montanha da Perdição, local onde o anel foi
forjado e único local onde o mesmo pode ser destruído. Também se reúnem Sam e
dois outros hobbits; Merry e Pippin
na missão de Frodo. Estava organizada a Sociedade do Anel.
A Sociedade do Anel foi formada por:
Frodo, Sam, Merry Pippin, Aragorn, Legolas, Gimli, Boromir e Gandalf.
A comitiva enfrenta a fúria das investidas
do mago Saruman nas montanhas sombrias. Este anteriormente fora um amigo de
Gandalf, mas é agora um aliado e servo de Sauron, e dispara raios; o grupo logo
percebe que deve mudar a trajetória de sua missão.
Tem início a jornada da Sociedade:
eles partem rumo a Moria, a cidade e mina dos anões, mesmo a contragosto de
Gandalf. Logo na entrada do portão da cidade ocorre um embate entre um polvo e
os membros da Sociedade. A criatura é abatida e eles conseguem adentrar em
Moria.
Sentam-se para descansar um pouco e um
interessante e importante diálogo ocorre entre Gandalf e Frodo.
O velho mago conta que os anões de Moria,
cavaram profundamente em busca de riquezas. E por conta disto, acordaram o Mal.
Fica clara aqui, a ganância dos anões.
Os anões foram vítimas de sua própria ganância, foram destruídos por
ela.
Eles acordaram um antigo monstro
chamado Balrog, criatura que destruiu os anões.
Gandalf conta que, o Gollum – Sméagol, o hobbit que portou o anel durante 500
anos está seguindo o grupo há 3 dias. Ele diz a Frodo que Gollum ama e odeia o
anel. Frodo diz que foi uma pena Bilbo não ter matado Gollum quando pode. Gandalf
responde que a pena que segurou a mão de Bilbo e a piedade podem governar o destino de muitos.
Bilbo foi destinado a encontrar o anel,
e Frodo destinado a carregar o anel.
E Gollum ainda tem um papel a cumprir,
segundo o mago.
Toda esta fala de Gandalf é muito
importante, pois fala a respeito de destino.
E de como Bilbo e Gollum, estavam
destinados a cumprir seus papéis, em toda a obra de Eru Ilúvatar, deus criador de
Arda - Universo. Uma batalha ocorre entre a Sociedade, orcs e um troll. Em
seguida o grupo foge dos orcs e
encontra o Balrog, antigo demônio. Gandalf diz aos membros da Sociedade para
que sigam em frente enquanto ele confronta o monstro.
O mago e o monstro caem em um abismo.
A comitiva do anel segue cabisbaixa devido à perda de um importante membro. A
Sociedade segue para a Floresta dos elfos, reduto governado pela líder
Galadriel. Galadriel, a Dama da Floresta, como é chamada, se vê testada pela
possibilidade de possuir o Um Anel.
A elfo vence o teste e recusa a
oportunidade de sucumbir frente ao poder do anel. A Sociedade recebe presentes
mágicos dos elfos, tais como cordas, capas e uma espécie de lanterna, a luz de
Erindim entregue a Frodo.
A comitiva do anel parte para sua
jornada novamente. Desta vez, Boromir se sente tentado pelo poder do Um anel,
ele tenta tomar o anel de Frodo. Frodo foge e o grupo é atacado por orcs a serviço de Saruman. Uma batalha
árdua ocorre. Boromir morre, mas se redime antes tentando proteger Frodo.
Frodo entende que deve seguir sua
jornada sozinho, para não trazer mais mortes e dores para seus companheiros de
Sociedade. Merry e Pippin são sequestrados pelos orcs, Aragorn, Legolas e Gimli prosseguem unidos e Frodo e Sam
seguem rumo a destruição do Um Anel na Montanha da Perdição.
Análise Simbólica
Os números dos anéis são
interessantes, pois expressam um falso significado, quando analisados
separadamente, pois o 3 exprime uma ordem intelectual e espiritual, a
triunidade do ser a conjunção do 1e do 2, a Trindade cristã por exemplo
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 1999).
Ao analisar o três deixando de lado o
contexto do Um Anel, certamente poderia se pensar numa ordenação, em um governo
de equilíbrio por meio dos três anéis confiados aos elfos. O 7 representa a conclusão do mundo e a
plenitude dos tempos, criação do mundo no livro de Gênesis como exemplo (CHEVALIER
& GHEERBRANT, 1999). Os sete anéis enfim
trariam um governo de plenitude à raça dos anões, se formos pensar apenas no 7
e deixar o Um em oculto.
E os 9 anéis entregues aos homens vêm
simbolizar a medida das gestações das
buscas proveitosas, o coroamento dos esforços, o término de uma criação, o
término de um ciclo e o início de um novo (CHEVALIER & GHEERBRANT, 1999).
Finalmente os homens iriam desfrutar
de um novo governo mediante ao contexto isolado do 9, mais uma vez não nos
atendo ao Um. As três raças possuem 19 anéis (3+7+9), as três raças desconhecem
a existência do Um Anel, que permanece aonde deseja estar, trabalhando em
oculto.
O problema de Sauron e do Um Anel,
simbolizam o problema da neurose.
Segundo JUNG, neurose significa:
Estado
de desunião consigo mesmo, causado pela oposição entre as necessidades
instintivas e as exigências da cultura, entre os caprichos infantis e a vontade
de adaptação, entre os deveres individuais e coletivos. A neurose é um sinal de
alarme que o induz a procurar um processo de cura pessoal. C.G.Jung: ´A
perturbação psíquica de uma neurose e a própria neurose podem ser concebidas
como um ato frustrado de adaptação. Esta formulação corresponde à opinião de
Freud, para quem a neurose constitui, num certo sentido, uma tentativa de autocura`.
´A neurose é sempre o substituto de um sofrimento legítimo. ` (JUNG, 2002,
pg.356, 357)
O Um está em oculto, Sauron trabalha
em oculto na sombra, a consciência é enganada pela sua percepção de um governo
melhor, quando na verdade caminha para sua própria destruição. Sauron simboliza
o arquétipo da vontade de poder, permanecendo em oculto na sombra, um complexo
autônomo, que pode trabalhar livremente em um Ego aprisionado em sua visão unilateral de
mundo.
Quando o Um Anel é inserido no
contexto dos 19 anéis, surge a verdade.
Pois agora temos a totalidade do
problema, a quaternidade do problema da divisão dos anéis está resolvida; 3
anéis aos elfos +7 anéis aos anões + 9 anéis aos homens + 1 o Um anel de
Sauron=20 anéis.
O 20 altera todo o pressuposto do
prognóstico anteriormente dado aos governos por seus respectivos anéis dado às
três raças, pois o 20 simboliza o número do homem, o homem tem 20 dedos, 4 x 5
= 20. Se somarmos: 4 + 5 = 9 teremos o
número de anéis recebidos pelos homens.
O 9 simboliza o fim de um ciclo e o
início de um novo, isto é claro e explicitado
na obra pois é o fim da era dos elfos na Terra Média, e o início da era
dos homens na Terra Média e sendo 20 o número dos anéis, 20 também é o número
do homem.
No Hinduísmo a duração e o fim de cada
era cósmica são de 432.000 anos, ou seja, 4+3+2=9.
E foi por conta do homem que o Um Anel
não fora destruído; Isildur simbolizando o ego obstinado não dera ouvidos à voz
de Elrond (inconsciente) para que jogasse o anel na lava e acabou sucumbindo.
[...] também o inconsciente às vezes se
manifesta de maneira estranha nos sonhos, são pensamentos inspiradores ou vozes
bem nítidas que fornecem instruções bastante claras.
(VON FRANZ, 2008,
p.119)
O Um Anel então ficou adormecido no
fundo de um lago por 2.500 anos (uma referência clara aos conteúdos imersos no
Inconsciente) e na posse de Smeagol / Gollum, por mais 500 anos até que Bilbo
viesse se apossar do mesmo.
E o anel ficou também em posse de
Bilbo por 60 anos. Na antiga Mesopotâmia eram utilizados dois sistemas de
medições numéricas: a decimal e a sexagesimal.
De acordo com (CAMPBELL, 2004), a
medida sexagesimal era baseada no soss
(60), e até hoje utilizamos esta medida numérica; 60 segundos totalizam um minuto,
60 minutos totalizam uma hora, 360 graus um círculo.
O ano mesopotâmico constava de 360 dias,
a morte e ressurreição de um ano então constavam de 360 dias.
Bem, se olharmos para esta totalidade
de anos :
-
2.500 anos, Um Anel no fundo do lago.
-
500 anos, Um Anel na posse de Smeagol/Gollum.
- 60 anos, Um
anel na posse de Bilbo.
2500 + 500 + 60 = 3060 anos.
E com esta quantidade de anos podemos
inferir algumas coisas:
-
Sauron
teria necessitado de 3060 anos para recuperar seu poder.
-
3+6=9, Sauron
recupera suas forças na era dos homens .
-
20
número do homem, 3 foram as etapas de anos diferenciadas no processo de morte e
ressurreição de Um Anel/ Sauron (1. fundo do lago , 2. posse de Smeagol/ Gollum
e 3. posse de Bilbo),assim sendo: 60 totalidade sexagesimal / 3 etapas = 20 era
do homem.
-
60 anos
na posse de Bilbo, 60 minutos = 1 hora. Enfim chega: “A hora certa do despertar
do Um Anel / Sauron”.
Chegada é a era dos
homens, e aqueles que um dia foram homens e hoje são espectros, também são 9.
Os naszgull têm um papel de suma importância para Frodo, conforme
vamos ver agora.
O Ritual de Iniciação
Se pensarmos sobre quem era Frodo e
quem passou a ser Frodo pós a jornada do Anel, teremos um grande exemplo do que é um ego entregue ao processo de individuação.
Como exemplos, de o que vem a ser um ego em jornada de individuação, têm o
Cristo que diz: ´´ "Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice!
Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres" (Mateus 26:39). O Cristo
(Ego) sabia que o sofrimento lhe aguardava. Mas caso ele objetivasse cumprir
sua meta, deveria seguir a orientação do Self (Deus Pai). Jung define
individuação da seguinte maneira:
´ Uso a palavra
´individuação` para designar um processo pelo qual um ser torna-se um
“individuum” psicológico, isto é, uma unidade autônoma e indivisível, uma
totalidade.
A individuação significa tender a tornar-se um ser realmente individual; na medida em que entendemos por individualidade a forma de nossa unicidade, a mais íntima, nossa unicidade última e irrevogável; trata-se da realização de seu Si - mesmo, no que tem de mais pessoal, e de mais rebelde a toda comparação. Poder-se-ia, pois, traduzir a palavra “individuação” por “realização de si mesmo”, “realização do Si – mesmo`. (JUNG,2002,p.355)
A individuação significa tender a tornar-se um ser realmente individual; na medida em que entendemos por individualidade a forma de nossa unicidade, a mais íntima, nossa unicidade última e irrevogável; trata-se da realização de seu Si - mesmo, no que tem de mais pessoal, e de mais rebelde a toda comparação. Poder-se-ia, pois, traduzir a palavra “individuação” por “realização de si mesmo”, “realização do Si – mesmo`. (JUNG,2002,p.355)
Uma das narrativas do filme diz o
seguinte: “E os hobbits governarão o
destino de todos”.
Na divisão dos anéis, os hobbits foram a única raça a não receber
anel algum, os hobbits, da
quaternidade das raças foi a raça desprezada, a menor raça, aquela tida com
pouco ou sem valor.
Mais uma vez a simbolização da neurose
aparece expressa, 3 raças receberam atenção e foram reconhecidas como sendo
parte da totalidade (Terra Média) uma raça fora dissociada mesmo fazendo parte
do todo.
E assim dependendo do grau de valor e
ou importância dado ao inconsciente por parte do ego, ele aparecerá expresso em
símbolos de tamanhos opostos. De um modo geral, o ego tem a falsa impressão de
estar no comando do todo, O inconsciente em certas representações aparece como alguém pequeno,
tal como Frodo, e a raça dos hobbits. Na Alquimia temos como o centro,
o alvo, o objetivo a produção da lapis
phiposophorum . Sobre a questão De Frodo e sua representação simbólica na lapis descreveremos mais adiante na
parte referente a O Retorno do Rei.
Retomando o problema de Frodo, um hobbit pacato que nunca havia saído do
Condado, que nunca sequer havia segurado uma espada, passa de repente a ter a
responsabilidade de salvar toda a Terra Média.
Mas nada é fácil na jornada do
processo de individuação. É necessário que se abra mão de certas coisas das quais
já estamos acostumados a ter, acomodados a viver de determinadas maneiras e
isso sempre provoca algum desconforto, alguma dor. E por vezes até a própria
morte.
Frodo precisava morrer simbolicamente,
antes de iniciar sua jornada, e foi o que aconteceu, quando o mesmo é atingido
pela lâmina do naszgull.
Faz parte do ritual de iniciação do
herói o auto-sacrifício: morre uma velha natureza, nasce uma nova natureza.
´´Ele deve deixar de lado o orgulho, a
virtude, a beleza e a vida e inclinar-se ou submeter-se aos desígnios do
absolutamente intolerável.`` (CAMPBELL, 1993,p.61)
A
provação é um aprofundamento do problema do primeiro limiar e a questão ainda
está em jogo: pode o ego entregar-se à morte? Pois muitas cabeças têm essa
Hidra circundante; cortada uma delas, duas outras se formam — exceto se for
aplicado, ao coto mutilado, o cauterizador apropriado. A partida original para
a terra das provas representou, tão-somente, o início da trilha, longa e
verdadeiramente perigosa, das conquistas da iniciação e dos momentos de iluminação.
(CAMPBELL, 1993, p.62)
A cena do filme evidencia o aspecto do
ritual de iniciação, de sacrifício, pois Frodo se encontra na torre de vigia,
um local semelhante ao velho círculo de pedras do Stonehenge na Inglaterra, uma mandala de pedras empilhadas onde supostamente
eram feitos rituais de sacrifícios humanos, segundo (CAMPBELL 2004).
Este
texto é bem explicativo sobre a importância do papel do ritual de iniciação:
Moyers: E a mensagem das cavernas?
Campbell: A mensagem das cavernas é sobre uma relação
entre o tempo e os poderes eternos, que de algum modo deve ser experimentada
ali.
Moyers: Para que eram usadas essas cavernas?
Campbell: A especulação dos investigadores diz que
elas tinham a ver com a iniciação dos meninos à caçada. Os meninos aprendiam
não somente a caçar, mas a respeitar os animais, que rituais executar, e, em
suas próprias vidas, como deixar de ser menino para ser homem. As caçadas você sabe,
eram extremamente perigosas. Essas cavernas eram os primitivos santuários dos
ritos masculinos, onde os meninos deixavam de ser os filhos das suas mães para
se tornarem os filhos dos seus pais.
Moyers: O que me aconteceria se eu fosse uma criança
e participasse de um desses ritos?
Campbell: Bem, não sabemos o que eles faziam nas
cavernas, mas sabemos o que fazem os aborígenes da Austrália. Pois bem,quando o
menino começa a ficar desobediente,um belo dia os homens chegam, e estão nus,
exceto por umas esteiras de penas brancas, de ave, que eles grudaram na pele
usando o próprio sangue como cola. Eles dançam e soltam mugidos de boi, que são
vozes de espíritos, e os homens chegam ali como espíritos.
O menino tentará proteger-se
junto à mãe, e ela fingirá que está tentando protegê-lo. Mas os homens simplesmente
o tomam. Como você vê, a partir desse instante, a mãe deixa de ser útil. Você
não pode voltar à Mãe, você está em outro campo.
Então os meninos são
levados para fora, para o chão sagrado dos homens, e submetidos a duras
experiências - circuncisão, subincisão, beber sangue humano, e assim por diante.
Assim como tinham bebido o leite materno
quando crianças, agora bebem o sangue dos homens. Vão ser transformados em
homens. Enquanto isso se dá, encenam-se episódios mitológicos dos grandes
mitos. Eles são instruídos na mitologia da tribo. Então no final, são levados
de volta à aldeia, e a menina com a qual cada um casará já foi escolhida. O
menino retorna agora como homem. Ele foi arrancado da infância, seu corpo foi
marcado de cicatrizes, a circuncisão e a subincisão foram cumpridas. Agora ele
tem o corpo de um homem. Não há como
voltar à infância depois de um espetáculo desses.
(CAMPBELL, 1992,
pg.85)
Frodo fora “circuncidado no coração”,
em meio aos gritos dos espíritos (naszgull)
e a cicatriz permaneceu, evidenciando que aquele Frodo do Condado estava morto.
Nascia agora o Frodo da Terra Média.
Interessante notar que os espectros
não podem ser mortos por homens, mas os mesmos temem o fogo.
´´Nesta perspectiva, o fogo, na
qualidade de elemento que queima e consome, é também símbolo de purificação e
de regenerescência. Reencontra-se, pois, o aspecto positivo da destruição: nova
inversão do símbolo. ``(CHEVALIER & GHEERBRANT, 1999, p.443)
João Batista batizava com água, mas
Jesus veio para batizar com fogo; Héracles derrotou a Hidra queimando com fogo
os pescoços que tinham as cabeças cortadas; com o pescoço queimado, não nasciam
mais as cabeças: a malignidade era extirpada de
vez pelas chamas da iluminação.
´´ Todavia, a água é também
purificadora regeneradora. Mas o fogo distingue-se da água porquanto ele
simboliza a purificação pela compreensão, até a mais espiritual de suas formas,
pela luz e pela verdade; [...]. ``(CHEVALIER & GHEERBRANT, 1999, p.443)
Frodo tomou consciência de si mesmo e
de seu caminho.
A iluminação pelo fogo simboliza o
processo de tomada de consciência.
As Sociedades
Como vimos, para termos uma sociedade
são necessários 9 membros, e este é o tema que dá título a esta primeira parte
da obra.
Todo
símbolo tem sua dualidade e assim como há a Sociedade do Anel (formada pelos 4 hobbits+2 homens+1elfo+1 anão+ 1 mago=9),
há também o oposto desta sociedade, ou a sombra dela composta dos 9 espectros,
ou reis bruxos.Aqui uma definição de símbolo:
“Da
atividade do inconsciente emerge agora um novo conteúdo, constelado por tese e
antítese em igual medida e mantendo-se em relação compensatória com ambos. Portanto, forma o espaço intermédio em que
os opostos podem ser unidos” (JUNG, 1991, parág. 825).
Dentro da Sociedade do Anel, há subdivisões:
-
A
quaternidade dos hobbits: Frodo (função pensamento)X Sam (função sentimento), Pippin
(função intuição) X Merry (função sensação).
-
A
tríade: Aragorn, Legolas e Gimli.
-
O par de
opostos: Gandalf X Boromir
Desta forma temos uma totalidade
expressa pela quaternidade dos hobbits,
porém a tríade composta demonstra que algo está faltando, ou seja, a destruição
do Um Anel.
´´Entre os dogons e
os bambaras o três é o número simbólico do princípio masculino – o seu glifo
representa o pênis e os dois testículos. Além de símbolo da masculinidade, é
também símbolo do movimento por oposição ao quatro*, símbolo da feminilidades e
dos elementos. Para os bambaras escreve G. Dieterlen, o primeiro universo é 3,
mas ele só é realmente manifestado, i.e., só tem consciência dele como o 4. O que faz com que a masculinidade (3),
acrescenta ele, seja considerada pelos bambaras como um estímulo de começo, que determina a fecundidade, enquanto o
florescimento e o conhecimento total desta só podem realizar-se na feminilidade.
(CHEVALIER
& GHEERBRANT, 1999, p.901)
E o par de opostos entre Gandalf e
Boromir nos remete aos irmãos Castor e
Pólux, um mortal o outro imortal, os dois ladrões ao lado de Cristo na cruz, um
desce à mansão dos mortos e o outro sobe para o paraíso, da mesma maneira como
Cristo desce à mansão dos mortos e sobe
aos céus posteriormente.
Boromir morre, Gandalf morre e
ressurge.
Esta subdivisão em 3 partes da
sociedade nos remete mais uma vez ao número de duração e término de uma era cósmica,
432.000 anos.
Pois 4 hobbits + 3 + 2 opostos= 9, A Sociedade do Anel.
Moria, Moiras e Moriá
Começa
a jornada da Sociedade do Anel. Como todo início de jornada, pressupõe-se um
período de preparação para se enfrentar os obstáculos da longa estrada da
individuação E
tal período durou 40 dias de viagem pelas montanhas sombrias, número de dias
este que remete ao período de transformação, vide as referências bíblicas, tal
como o povo hebreu no deserto, Elias em sua caminhada e Cristo em seu jejum no
deserto.
Em meio a este período de preparação,
Gandalf era o mais cauteloso, provavelmente pelo fato de o Velho Sábio, ter a
visão e o discernimento a respeito do futuro da Sociedade, e principalmente o
seu individualmente.
O Velho, mesmo sendo rico na intuição,
ainda temia seu futuro, sua demanda interna e sua transcendência.
Gandalf e os outros logo percebem que
não estão sozinhos. Pois os corvos, espiões de Saruman, os observam e vão ao
encontro de seu senhor relatar.
Gandalf estava temeroso, quanto à sua
segurança e a de seus amigos e tentou conduzir o grupo por um caminho onde não
fosse necessário passar pelas Minas de Moria.
O mago cinzento temia confrontar a
obscuridade de um tempo muito antigo, e fez o possível para o grupo não ir em
direção das Minas dos anões.
Mas quando o ego se rebela contra a
soberania do Self, este se utiliza, dos recursos que bem entender para colocar
a consciência em seu devido lugar; o caminho doloroso, porém libertador da individuação.
´´O Self existe desde o princípio, e,
no processo de individuação é ele, geralmente,quem guia e regula o processo de
crescimento interior.``(VON FRANZ, 2008, p.157)
Saruman, a sombra de Gandalf, vem
perturbar os planos obstinados do ego. E provoca uma avalanche na montanha,
impedindo a Sociedade de progredir rumo à sua derrota: o grupo estava tomando o rumo no qual não
passaria por Moria, e se o grupo não passasse por Moria, não iria ultrapassar
importantes obstáculos ao processo de
individuação. Ao chegar à frente do portão das Minas, Pippin começa a jogar
pedras na água e é repreendido na mesma hora para não perturbar a água. Este é
um gesto simbólico de acordar as forças das profundezas, ocultas em todos nós.
Um polvo gigante sai da água, e avança
contra a Sociedade, um prenúncio do que estava por acontecer com o velho mago. Passada
a ameaça aparente, todos entram nas Minas, sentam-se para descansar um pouco e
um interessante e importante diálogo ocorre entre Gandalf e Frodo.
O velho mago conta que os anões de
Moria, cavaram profundamente em busca de riquezas. E por conta disto, acordaram
o Mal. Fica clara aqui, a ganância dos anões que
termina por destruí-los.
Quando o ego se distancia dos
objetivos propostos pelo Self, acaba por cair nas garras hostis e destrutivas do
mesmo, no caso aqui, simbolizado pelos orcs
e por Balrog responsáveis pela destruição dos anões. Gandalf
conta que Gollum está seguindo o grupo há três dias. Ele diz a Frodo que Gollum
ama e odeia o anel.
Frodo diz que foi uma pena Bilbo não
ter matado Gollum quando pode. Gandalf responde que foi a pena que segurou a
mão de Bilbo. A piedade de Bilbo pode
governar o destino de muitos.
Bilbo foi destinado a encontrar o anel,
e Frodo destinado a carregar o anel.
E, Gollum ainda terá um papel
importante a cumprir.
Toda esta fala de Gandalf é muito
importante, pois fala a respeito de destino.
Ou seja, como todos estão
predestinados pelo Self, a cumprir determinados objetivos. Na Terra Média temos a figura de Eru Ilúvatar, como
sendo o deus criador, ele simboliza o Self.
Não sei se foi intencional, da parte
de Tolkien ter dado o nome Moria, pela semelhança com o termo Moiras, ao local
onde se localizam as Minas dos anões.
Os acontecimentos dentro das minas,
anteriores a chegada do grupo, deixam impressões de paralelismos com a ação das
Moiras, trabalhando nas ocorrências das sincronicidades.
´A palavra grega moîra provém do verbo meíresthai, obter
ou ter em partilha, obter por sorte,
repartir, donde Moîra é parte, lote, quinhão, aquilo que a cada um coube
por sorte, o destino. Associada a Moîra tem-se, como seu sinônimo, nos
poemas homéricos, a voz arcado-cipriota, um dos dialetos usados pelo poeta, Aîsa.
Note-se logo o gênero feminino de ambos os termos, o que remete à idéia de
fiar,ocupação própria da mulher: o destino simbolicamente é ´´fiado`` para cada
um . De outro lado Moîra e Aîsa aparecem no singular e só uma vez na Ilíada,
XXIV, 49, a
primeira surge no plural.
O destino jamais foi
personificado e, em conseqüência, Moîra e Aîsa não foram antropomorfizadas: pairam soberanas acima dos deuses e dos
homens, sem terem sido elevadas à categoria de divindades distintas. A Moîra,
o destino, em tese, é fixo, imutável, não podendo ser alterado nem pelos
próprios deuses.
Há, no entanto os que
fazem sérias restrições a esta afirmação e caem no extremo oposto: ´Aos olhos
de Homero, Moîra confunde-se com a vontade dos deuses, sobretudo de Zeus. É
bem verdade que em alguns passos dos poemas homéricos parece existir realmente
uma interdependência, uma identificação da Moîra com Zeus, como nesta fala de
Licáon a Aquiles:
´E a MOÎRA fatídica,
mais uma vez, me colocou em tuas mãos: parece que sou odiado por ZEUS pai, que
novamente me entregou a ti``
As Moîras são
a personificação do destino individual, da ´parcela` que toca a cada um neste
mundo.Originariamente, cada ser humano tinha a sua moîra, a saber,´sua
parte, seu quinhão` de vida, de felicidade, de desgraça.`
´Impessoal e
inflexível a Moîra é a projeção
de uma lei que nem mesmo os deuses podem
transgredir, sem colocar em perigo a ordem universal.`
´Essa Moîra,
sobretudo após as epopéias homéricas, se projetou em três Moîras :
Cloto, Láquesis e Átropos, tendo cada uma função específica, de acordo com sua
etimologia:
CLOTO,em grego
(Klothô com o aberto), do verbo (klóthein), fiar, significando, pois, Cloto,
a que fia, a fiandeira.
Na realidade, Cloto
segura o fuso e vai puxando o fio da vida.
LÁQUESIS, em grego
(Lákhesis), do verbo (lankhánein), em sentido lato, sortear, a sorteadora: a
tarefa de Láquesis é enrolar o fio da vida e sortear o nome de quem deve
morrer.
ÀTROPOS, em grego
(Átropos) de a (a, ´alfa privativo`), não, e o verbo (trépein), voltar,
quer dizer, Átropos é a que não volta atrás, a inflexível .Sua função é
cortar o fio da vida.
(BRANDÃO, 1997, pg.
140, 141, 230, 231)
Gimli que anteriormente descrevera da
hospitalidade de seu povo e de seu primo Balin, encontra restos mortais de um
anão e lamenta, a morte do primo.
sombra, se repete, desta vez em um
poço. Uma batalha ocorre entre a Sociedade, orcs
e um troll.
Em seguida o grupo foge dos orcs e encontram o Balrog.
Gandalf compreende que sua hora chegou,
é a hora da renúncia do ego.
E aqui há uma semelhança no nome do
local onde estão situadas as Minas dos Anões.
Moriá é o nome da terra onde se
localizava o monte onde Javeh ordenou que Abraão sacrificasse seu filho Isaque.
Embora Abraão não tenha sacrificado
seu filho no Monte Moriá, ele sacrificou a vontade de seu próprio ego, ouvindo
a voz do Self.
Gênesis 22; 1-19.
Depois disso, Deus provou Abraão, e
disse-lhe: "Abraão!" "Eis-me aqui", respondeu ele.
Deus disse: "Toma teu filho, teu único
filho a quem tanto amas, Isaac; e vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em
holocausto sobre um dos montes que eu te indicar."
No dia seguinte, pela manhã, Abraão selou o
seu jumento. Tomou consigo dois servos e Isaac, seu filho, e, tendo cortado a
lenha para o holocausto, partiu para o lugar que Deus lhe tinha indicado.
Ao terceiro dia, levantando os olhos, viu o
lugar de longe.
"Ficai aqui com o jumento, disse ele aos
seus servos; eu e o menino vamos até lá mais adiante para adorar, e depois
voltaremos a vós."
Abraão tomou a lenha do holocausto e a pôs
aos ombros de seu filho Isaac, levando ele mesmo nas mãos o fogo e a faca. E,
enquanto os dois iam caminhando juntos,
Isaac disse ao seu pai: "Meu pai!"
"Que há, meu filho?" Isaac continuou: "Temos aqui o fogo e a
lenha, mas onde está a ovelha para o holocausto?"
"Deus, respondeu-lhe Abraão,
providenciará ele mesmo uma ovelha para o holocausto, meu filho." E ambos,
juntos, continuaram o seu caminho.
Quando chegaram ao lugar indicado por Deus,
Abraão edificou um altar; colocou nele a lenha, e amarrou Isaac, seu filho, e o
pôs sobre o altar em cima da lenha.
Depois, estendendo a mão, tomou a faca para
imolar o seu filho.
O anjo do Senhor, porém, gritou-lhe do céu:
"Abraão! Abraão!" "Eis-me aqui!"
"Não estendas a tua mão contra o menino,
e não lhe faças nada. Agora eu sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu
próprio filho, teu filho único."
Abraão, levantando os olhos, viu atrás dele
um cordeiro preso pelos chifres entre os espinhos; e, tomando-o, ofereceu-o em
holocausto em lugar de seu filho.
Abraão chamou a este lugar Javé-yiré, de onde
se diz até o dia de hoje: "Sobre o monte de Javé-Yiré."
Pela segunda vez chamou o anjo do Senhor a
Abraão, do céu,
e disse-lhe: "Juro por mim mesmo, diz o
Senhor: pois que fizeste isto, e não me recusaste teu filho, teu filho único,
eu te abençoarei.
Multiplicarei a tua posteridade como as
estrelas do céu, e como a areia na praia do mar. Ela possuirá a porta dos teus
inimigos,
e todas as nações da terra desejarão ser
benditas como ela, porque obedeceste à minha voz."
Abraão voltou então para os seus servos, e
foram juntos para Bersabéia, onde fixou sua residência. (Gênesis, 22; 1-19)
Abraão em Moriá sacrificou o desejo de
seu ego. Gandalf em Moria sacrificou seu desejo egóico também.
É tempo de Gandalf, confrontar sua sombra,
embora ele diga em vão ao Balrog para que este volte para a sombra. Mas não é o conteúdo hostil que deve descer as
profundezas das trevas novamente, e sim Gandalf quem deve realizar a catábase.
O mago se rende, pois sabe do
propósito transformador que tal experiência lhe proporcionará, mas o resto da
Sociedade, não entende os propósitos de Eru, tanto que o velho sábio em uma
postura de altivez, digna de tal arquétipo diz a Frodo: ´´Corram seus tolos!``
Tolos? Sim, pois não entendem a visão
e o propósito da totalidade do Self. O grupo lamenta e seguem para o refúgio revitalizador
da Floresta de Lothlórien, o reino da Dama da Floresta.
A Grande Mãe da Terra Média, a anima
de Frodo, Galadriel.
O grupo recebe presentes dos elfos: as
capas, as cordas e a luz de Erindim entregue a Frodo: ´´Que haja uma luz, para
você no escuro quando todas as outras se apagarem.``
A Sociedade parte de Lórien. Boromir
sucumbe frente ao desejo de poder e tenta se apossar do anel. Antes de morrer,
porém, consegue se redimir: seu papel está cumprido na jornada.
Boromir fora destinado a dispersar os hobbits. Tal dispersão teve o objetivo
de encaminhar Merry e Pippin aos Ents
e Frodo e Sam até Mordor. Mais um vez vemos a atuação das Moîras.
Talvez uma frase de Gandalf sintetize
bem o que ocorreu desta segunda parte em diante, até o fim da jornada:
´´O que nos cabe é decidir o que fazer
com o tempo que nos é dado.``
No livro de Salmos 139; 16 temos o
seguinte versículo. ´´os teus olhos viram o meu corpo ainda informe.Todos os
dias que foram ordenados para mim, no teu livro foram escritos quando nenhum
deles havia ainda.``
O versículo do Salmo 139, também nos
dá um exemplo arquetípico da regência do Self sobre a psique.
O Self escreve o projeto, o ego o
executa.